domingo, 4 de dezembro de 2016

Questões sobre um poema


Como poderia salvar o poema, quando nos versos se ouvem vozes 
que nos dizem que o teu corpo não tem arestas e que o meu tem 
abismos de luz, rios de risos, manhãs de afectos que abraçam 
as prováveis noites mais frias? Quando eu mesmo me encontro 
a falar com a ria, com a cidade, com os pássaros, abraçado à maré? 
Ou quando me abandono a confortar o velho e sábio ulmeiro, 
ou a ouvir os seus sensatos conselhos, sem, claramente, saber nadar? 
Como poderia salvar o poema, quando ele mesmo nega a salvação 
e diz ter encontrado, sem compaixão e amargo, um deus à esquina? 
Quando, na sua língua, ninguém encontra um resto visível de corpo 
para entregar a um pouco de alma que tanto se pretende encontrar 
na solidão, nos silêncios, numa aturada análise à sua geometria? 
O que se pode fazer por um poema que chega à derradeira condição, 
o estado da desnecessária explicação e da dispensável resplandecência? 
Em certos momentos, tudo se funde no poeta, que é um ser humano, 
e não garante a sua própria salvação ou, sequer, a sua própria existência. 



 [massivo]




1 comentário:

  1. Questionando um poema... desconstruindo-o e explicando-o... de uma forma brilhante!
    Beijinho
    Ana

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