domingo, 23 de outubro de 2016

Tempo com paisagem


O ulmeiro fala sozinho e adormece no inverno, mas 
irradia uma natural e peculiar imagem de sapiência; 
caminha na avenida, no extremo mais próximo da ria 
e ao seu encontro, cadente, circunspecto, sem garantias. 
A ria tem sussurrado mais do que o habitual. 
Aguarda pelos versos que a rasgam por dentro 
ou pelo coice de um poema, numa sofreguidão genuína, 
com a superfície espessa de um movimento congelado. 
Por vezes, desamarra-se do cais, sobe à praça e vagueia 
pelo seu movimento ondulatório, à procura do ulmeiro. 
Eu sei que saio à noite e que chego ainda mais à noite; 
que a noite, por vezes, é mais longa e com pontas 
desiguais; que os lençóis respiram a saudade e abraçam 
o corpo no escuro, alheios à ria, ao ulmeiro e a cidade; 
que, de qualquer forma, no relativo da ria e do ulmeiro, 
estamos presentes como lençóis abraçados ao corpo 
do vento, ou como desígnios que aguardam a mudança 
do sinal luminoso do seu trânsito condicionado: o amor.


 [massivo]



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