segunda-feira, 26 de outubro de 2015

menos qualquer coisa que, de qualquer forma, se perdeu por onde eu já passei e mais qualquer coisa que veio comigo


aveiro | portugal



já havia pais natais de chocolate nas prateleiras do supermercado. 
pareceram-me mais sisudos do que aqueles que tenho na memória. 
mas a memória doeu-me enquanto, ontem, passava a ferro as dez 
camisas, o conjunto de lençóis e os três pares de calças, que viviam 
no cesto da roupa lavada. dores que dobraram ao dobrar os muitos 
pares de meias, que, também, por ali habitavam. as cuecas ficaram 
para mais tarde. havia muita poesia nelas e não a quis dispersar. 
também não quis trocar, e retive, a emoção do peso da palavra: cuecas. 

caiu uma subjectividade persistente durante toda a noite, 
gotas de relativismo que conferiam brilho ao asfalto e aos passeios. 
a cidade quase não dormiu, à procura de uma forma desconhecida. 
senti a pulsação secreta da ria, à procura de competências sensoriais 
nas minhas aptidões cognitivas e em tanta coisa para ou por dizer. 
tanta coisa nos meus gestos e no meu reconhecimento de ter, e ser, 
parte de uma substância perecível comum, universal, e epistémica. 
talvez tenhamos mudado a nossa hora, só não sabemos em que sentido. 

tomo a tua direcção, na preguiça do sol que bate à minha porta. 
hoje, eu não consigo fugir do tempo e fingir, ao tempo, que tudo está 
bem nos cheiros do meu quarto e nos dedos que se soltam no, e depois do, 
vazio. há sombras que esperam deste lado das paredes e que nunca irei 
abraçar, apesar da sua espessura e de procurarem um nome para nós. 
abre-se a porta e entra o gato, que trás a luz da rua para me beijar a intimidade. 
o mundo não acabou. abre-se uma janela, onde não se enquadra a minha memória. 
eu não consegui morrer-te, comecei a recordar-me de mim, daqui até à brisa verde. 


[o significado do silêncio]


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