quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

a dias





há dias em que sou um poema: 
um poema diminuto! 
uns versos de passagem, 
que não pernoitam em casa, 
onde os espaços são vórtices 
e as palavras, a gosto, 
especiais transportes espaciais, 
que se vestem de rapidez 
mergulhada em sofreguidão. 
apenas uma alma a xurdir! 




quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

acordei o poema




longe 
cada vez mais longe 
acordei o poema 
onde tudo termina em silêncios 
numa folha solta do destino 
talvez seja eu a chegar cada vez mais devagar 
a essa linha que os olhos devolvem ainda 
com a mesma nitidez 
numa história que de perto se vai turvando 
ou talvez a minha percepção tenha evoluído 
e tenha recomposto a noção do tempo 
que demoro a percorrer esse mesmo espaço 
onde a tempo abro palavras fugidias 
que a espaços me levam a pairar 
enquanto me perguntam gravemente 
e entre sorrisos cúmplices e mordazes 
pelo sentido da minha vida 
ao que absorto eu vou retorquindo 
entre sorrisos que me dançam o ar 
«tudo à volta de procurar, sentir e voar…» 





sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

dos azuis



- à generosa e gentil Piedade!



o que não sabes é que, por vezes, sou tomado, 
gentil e suavemente, pelos teus azuis (esteja, 
ou não, azul ou abraçado aos meus azuis). 
outras vezes, sento-me num ou noutro desses 
azuis e viajamos, eu e os azuis, até aos limites 
fantásticos onde tudo renasce. noutras vezes, 
ainda, sou eu que entro azul e silenciosamente 
nos azuis dos teus poemas, ou fotografias, para que 
me façam companhia. de uma forma ou de outra, 
há sempre uma profusão de cores e os azuis… 
sabes como são os azuis... transportam-nos!… 
eu voo até ao meu lugar, na minha praia, 
e amalgamo-me, depois, no meu mar!... 




sexta-feira, 28 de novembro de 2014

forças





o céu limpo é o meu tecto 
e perto 
irremediavelmente perto 
as ondas espraiam-se 
com o temor demorado de quem não se vai salvar 
talvez pudéssemos falar se te silenciasses 
se te escutasses um pouco mais 
mas a água das ondas apressa-se a regressar ao mar 
como uma enxurrada repentina 
e a noite surge já adormecida 
cansada de formar sulcos na alma 
como se esta fosse do mar a espuma 
e o mar uma relatividade quotidiana 
repleta de fórmulas complexas e mutáveis 

na vorticidade do desencontro 
teimo em desenhar sorrisos distraídos 
flores que também vejo felizes no outono 
algumas estrelas estereotipadas 
e corações gentis 




quinta-feira, 27 de novembro de 2014

por uma brisa





é em casa que deflagra
a saudade da miscigenação
das cores que não puderam vir,
porque é assim a noite densa;
que combusta o mar extenuado
e as mirradas ruas se enxugam,
porque é assim que as horas gastas
expelem do útero um novo dia.
nas entrelinhas de silêncios
do regresso a casa,
perseguia-me a mesma brisa forte
e inquiridora que se anunciara,
por murmúrios e frio,
na padaria alegre e próxima,
que também é pastelaria de brio,
enquanto esperava pelo pão,
e bebia uma água mineral
natural gaseificada, fresca;
enquanto vocês, e algumas palavras,
entravam de forma arbitrária
(ou talvez não tão arbitrariamente),
na minha cabeça, e construíamos
histórias inusitadas,
depois de conferir, apressadamente,
num habitual calafrio e sobressalto,
se teria dinheiro suficiente.
não haverá, certamente, certeza.
talvez pretendesse, apenas,
companhia, a brisa.
mas ateámos a loucura,
que é semear bonanças
de amor e amizade.




quarta-feira, 26 de novembro de 2014

ah






em mim
no meu pensamento
à flor dos meus sentimentos
uma última vida e saber que não vamos esquecer
poderíamos servir o mundo já preparado
sem qualquer indício de pressa
e espraiar novembro
num abraço
liberto da metafísica
e parte do espaço-tempo
a expansão do nossos corpos
como se esse amplexo fosse o universo
frágil e em crescimento
tão simples




terça-feira, 25 de novembro de 2014

repetição





o próprio acto de existir é uma perda de tempo
qualquer espelho possui a certa inutilidade
e um certo odor e dor que conduz ao interior
e a lugar nenhum onde se servem os pequenos nadas
não me sirvam provérbios como um prato do dia
sirvo-me da renovação que existe na tua repetição
na renovação que existe na minha repetida respiração
e talvez me proteja dos guarda-chuvas com a chuva
que se repete sempre nova num limite gravitacional
talvez por estar sempre madura ou pouco segura
de onde talvez eu me repita para que me encontrem
mas saibam que não encontrarão sobre mim uma
única estrela que vos possa guiar nos meus ou nos
vossos caminhos onde talvez existam sombrinhas
talvez eu corte o cabelo para deixar de sofrer 




presença indelével





várias vezes pesei
o rumor das estrelas
no rumor da praia
entre palavras parideiras

várias vezes pensei
voltar mas era outro o dia
que nunca chegava
e eu não quero brilhar

venho e sou do tempo do mar
tenho vivido de poema em poema
na margem da mesma laguna

onde habita uma oração em ruínas
eu amo sem poder amar 
enquanto as gaivotas distribuem colinas




terça-feira, 28 de outubro de 2014

haverá quem nos conte





ergueu-se para nós a noite 
numa aspiração sentimental 
a pele reconhece o seu içar 
e a noite o eriçar da pele 

reserva-nos uma ternura 
um afago por uns instantes 
quase uma razão convergente 
e vemo-nos de olhos fechados 

quase nos vestimos com ela 
e é ela que nos despe até a alma 
e nos aconchega a simples história 

o espanta-espíritos mergulhado 
reconhece a música do coração 
a melodia da noite que te escrevo 




segunda-feira, 27 de outubro de 2014

preliminar





… abundante. abundantemente, assim, 
sem contexto. serve-te do que mais te fizer 
feliz; do que mais te apetecer; do que mais 
te agradar; dos afectos… em abundância. 
fecha os olhos e ouve… ouve o meu marulhar 
no poema, mesmo junto ao abismo tatuado 
na orla da praia. desperta todos os sentidos… 
em sincronicidade com todo o que te rodeia, 
te encontra e desencontra. envolve-te 
no significado abundante da harmonia e todas 
as suas agitações, arrepios e serenidade… 
ouve, cheira, saboreia, observa, tacteia, 
percepciona… os vários tons das várias cores; 
a energia e as várias sensações da tua pele; 
o que vês e sonhas; o que sabes e não sabes; 
os vários tons das várias palavras; o vazio… 
deixa-te fluir numa amalgama abundante… 




domingo, 26 de outubro de 2014

lado b





uma fatia de outono aguarda sobre a mesa 
ainda tem portalegre colada ao corpo justo  
parte um fragmento de encanto que ficou 
no súbito outubro quente que lembra verão 
e não fosse o inesperado odor forte a amor 
e a pão do outro lado dessa história nativa 
os meus lábios agradeceriam a tua ausência 
assim como os sobreviventes dos cataclismos 
agradecem as sórdidas paredes sólidas 




sábado, 25 de outubro de 2014

suspenso





esta noite sonhei com lobos de novo 
cercavam-me num círculo perfeito 
a cobra branca ficou imóvel e calada 
o meu olhar ficou no líder da alcateia 
e o grito e a respiração presos no peito 

respiro 
um violino emprestou-me a alma caída 
hoje esqueci-me de almoçar o labirinto 
e o mundo ficou num silêncio caiado 




sexta-feira, 24 de outubro de 2014

disposição das partes





há poemas sem solução que se arrastam 
nos versos de folhas já usadas ou 
em qualquer outro pedaço de papel 
suspenso de efeito munidos da palavra 
munida de quebra-cabeças solúveis 
palavra que não cai no outono a palavra 
que num acto de contrição observado 
adere ao corpo e consome quase meio século 
amor  




quinta-feira, 23 de outubro de 2014

por onde vou revisitado




os sete véus que te cobrem 
e o que sobra da minha vida: 
a loucura de querer ser 
  
às vezes tenho vontade 
de ser suposto salvar-te 
estendido nas voltas do mundo 
entendendo a humanidade 
em todas essa coisas pintadas 
e figuradas em destaques 
que banalizam o horror alheio 
nessas e outras pequenas coisas 
que me consomem absurdamente  
e que me fazem duvidar da generosidade  




quarta-feira, 22 de outubro de 2014

para onde vou




sem deixar de ser intenso, deixo-me 
abrandar. sem abandono. quero 
entender este não saber bem para 
onde vou. sei para onde quero, e posso, 
ir. não faço conjecturas ou previsões, 
quero, assim, apenas, recordar-te 
para não me voltar a esquecer de mim... 




terça-feira, 21 de outubro de 2014

de onde eu venho



não te apresses a ler-me! 
talvez me faltem as palavras. 
é possível que encontres um adeus 
onde não há tristeza. há renovação. 
o meu caminho é um rio sem fim, 
onde, por vezes, não encontras 
sentido; onde, por vezes, vou 
directamente ao fundo, e esta 
é só mais uma vez… sem drama! 
o horizonte fala-nos de tempestades 
fáceis, perdidas em pensamentos 
com mar e areia e regressos de amor, 
depois de ver… mas nada é tão fácil 
e eu vejo, ao fundo, fundo, o mar; 
redes rotas com olhares vigilantes, 
e adivinho a cidade, num só verso. 
talvez um dia eu volte a esta página 
de pó de sonhos com pó de estrelas, 
mesmo depois do poema se tornar pó 
e não me traga o hoje como eu sou. 
por agora importa o sorriso e sacudir 
do palco o gosto da tristeza.  




[10 de outubro de 2014]

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

por onde eu ando





ai, o crepúsculo e a suas urgências!
a cidade corre para casa e eu fujo
para a praia, onde o horizonte célere
desmaia nos meus braços, enquanto
guardo os meus reflexos, que provêm
de ti.  ainda estás comigo nesta luz
fugidia que é o fim do dia e diluímo-nos
no mar das recordações que deixaste
à flor da pele que se eriça lentamente.
reinvento-te. aflora o som de um beijo
encontrado, sem conhecer, sequer,
o som dos teus passos, e já a noite
me segreda, suavemente, o calor
do teu corpo, que me inflama num
abraço. e eu, de braços ocupados
por horizontes breves e inanimados,
procuro a vaga agridoce das tuas cores.
por onde andas, meu amor?




quarta-feira, 8 de outubro de 2014

ao vento






as minhas palavras não mudarão o mundo,
mudam-me a mim, numa via sem fundo.
o lugar prossegue e insiste,
mas o vento geme não por eu ser triste,
da mesma forma que o vento não uiva
por eu ser um lobo. sei o que o vento é.
por vezes sou eu, a beijar a nuvem ruiva,
apenas o mesmo ar em movimento de fé.




terça-feira, 7 de outubro de 2014

por aqui





as palavras caem como as folhas no outono 
e nestes instantes afundo-me no banco, 
num qualquer lugar, e descuro o flanco: 
abandono-me nos abraços do sono. 

sobrou-me o mesmo setembro em outubro, 
o mesmo que me faltou em setembro; 
o mesmo onde tracei trilhos que desmembro, 
os que resistiram às ondas com que me cubro. 

saberia acordar nos braços do desjejum do dia, 
ainda palavras agarradas inteiramente à frase 
inteira do sal grosso na manhã de uma melodia, 

e encher a causa com a paz que extravase 
em todas aquelas dissonâncias da harmonia, 
que me chegam num mesmo e sempre: quase. 




segunda-feira, 6 de outubro de 2014

coisas





é a intimidade do presente a criar futuros aos factos. 
não encontrei o sentido único no sentido das coisas 
que abarcam múltiplos e complexos tempos verbais. 
talvez tenha andado em contramão; talvez, em hiatos, 
tenha deixado de existir o passado nos meus olhos 
que sempre se apagam quando se abraçam aos teus. 
mas há tanta coisa incompreendida num improviso...




domingo, 5 de outubro de 2014

!





dobrar o tempo e o espaço como
se fossem uma folha de papel
romper o casulo e procurar a fé
a fé que não tenho e talvez não
a fé que perdi com a ingenuidade
depois de tudo e sem desculpas
o salto um som um odor o calor
um pouco mais que não morresse
nos polissílabos da dor inevitável
que imagina a sua própria alegria
nos vincos do mar que se converte
à metáfora do meu renascimento




sábado, 4 de outubro de 2014

cristalização





as memórias de mãos dadas com a lua
o meu coração que volta atrás no universo
e eu cercado de palavras por todos os lados
num labirinto de espelhos vestidos de luz
quem nunca saiu do seu próprio corpo
não conhece a aflição de querer regressar
a ele e poder encontrá-lo já ocupado




sexta-feira, 3 de outubro de 2014

à noite





aguardo que o teu rosto nasça
à noite não há gaivotas na praia
o ar procura o refúgio do mar
onde as sombras escorrem lentas
e os sons são canções de embalar
os molhes fluem dos meus olhos
e o meu mundo cintila nos teus




quinta-feira, 2 de outubro de 2014

sequela





vejo que jesus morre todos os dias
várias vezes por dia sem antes
ressuscitar e eu podia tentar
explicar-me o nada de tudo
e nada mas estou na encruzilhada
de uns poemas um vínculo ténue
de palavras que vejo tão simples
que se entrelaçam para segurar
o momento que se perde do outro
lado que se desenha na hesitação
da luz das estrelas esse labirinto
celeste que não pode conjecturar
o nosso destino com os mesmos
silêncios das manhãs que dormem
a vida quando começa nunca é
igual às outras vidas e é assim
dia após dia conjugados de forma
diferente onde quase existimos




quarta-feira, 1 de outubro de 2014

sob


  

algures na noite no mar do amor naufraguei
uma-a-uma as feiticeiras que me salvaram
previram futuros de amores sem sucesso
e que todos os dias nasceriam assinalados
por esse desígnio astral onde não sei quantas
vezes renasci agarrado ao toque de vazio
de um abraço solitário onde sorrio em silêncio




quinta-feira, 18 de setembro de 2014

argau 20





sim não talvez um dia me encontre outra vez por fora
enquanto chovo na mansarda à margem de um poema
talvez cerre os olhos com força num último esforço
com a esperança de me fazer presente nessa chuva
porque as palavras saltam das folhas à procura da alma
a alma que sobrevive nos interstícios do vento norte
e hoje o vento sopra moderado uma canção de embalar
que adormece até as sombras da turba que me povoa
é aqui que nem todos se perdem na periferia dos afectos




argau arrumado!

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

alvorada






vimos o nascer dos dias, várias vezes,
sem palavras, sem nos vermos.
tínhamos ganho a forma introspectiva
e a amizade que nos unia aos horizontes.
os dias já nasciam com despedidas.
eu acreditei no teu corpo impulsivo.
tudo era verdade e verdadeiro,
como o marulho e as construções,
na areia. de todos ficou a memória.





-inicialmente no paralelo [31 de julho de 2014]
o fim do paralelo

terça-feira, 16 de setembro de 2014

argau 19





vi as quatro horas e quarente e sete minutos
numa outra noite que se arrastava pelo quarto
e no mostrador do rádio relógio em números
normalmente silenciosos que gritavam porque
eu não dormia e não os deixava dormir enquanto
abraçava fantasias que me faziam sorrir e não
tinha mais carneirinhos prudentes para contar
vi que tu também andavas por ali muito ausente
com o fumo que como antes inalavas dramaticamente
antecedias o ritual que nunca te consegui quebrar
com a precisão cirúrgica na manipulação da chama
do isqueiro que sublimava e sublinhava a matéria
da tua ânsia de entrar num mundo onde nunca entrei
tu eras dois personagens e tinhas os teus fumos
eu era apenas eu uma multidão que tinha a poesia
que curiosamente também ardeu e pouco mais
depois tínhamos a cama que podia ser um qualquer
chão onde agora és uma memória e eu abraço ilusões




sábado, 13 de setembro de 2014

conto-te agora





nas artérias um caminho 
de cidade pequena. 
talvez me vista de suor 
que reluta em explicar-se 
sem ser em alegria, 
como se fosse a primavera 
numa aproximação de desígnio 
que a cada coisa dá um valor 
sem preço, ou como um jardim 
num indício de alvorada límpida.





-inicialmente no paralelo [23 de junho de 2014]

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

argau 18





a ria perdeu-se por aqui, 
entre ideias e sentimentos, 
entre o céu e os sedimentos, 
numa saudade insolúvel de si. 
por vezes a escolha não o é 
e seguimos caminhos inevitáveis, 
forçosamente, nem sempre de pé. 
  
II 
por vezes arrastamos o universo 
com a fé do contexto, com a certeza 
que um sorriso enorme, de fracasso, 
pode mesmo ser a fuga do inverso; 
o avesso de uma qualquer frieza; 
o início do nosso sempre último abraço. 




quarta-feira, 10 de setembro de 2014

sabes como é a vida…






a ria, que por amor beija o mar 
e para laguna deixar de ser, 
também reflecte a cidade em si, 
num abraço de vida e afecto. 
eu, que beijo o ar, 
por determinação e princípios, 
possuo fortalezas de convicções 
que se desmoronam quando chegas… 
que posso eu dizer, agora, a saudade? 




-inicialmente no paralelo [09 de junho de 2014]

terça-feira, 9 de setembro de 2014

como alento





ontem, dei todo um soneto às gaivotas! 
era um novo soneto com o perfume do mar, 
vários traços de pôr-do-sol e ilhotas, 
e abraços, daqueles sinceros e de alentar. 
dei-o partido em pedacinhos de sentidos 
sem arestas, descalços e despidos; 
dei-o com todo o cuidado e desprendimento. 
desisti de dá-los aos pombos correios, 
que os traziam de volta, em sofrimento, 
debicados por fora e cansados dos passeios. 




-inicialmente no paralelo [03 de junho de 2014]

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

desfile de naturalidades





o céu enche-se de mar e maresia 
na linha do perfeito horizonte, tão próximo; 
o mar procura beijar as raízes das árvores 
e enche-se de razões de sal e de sons antigos; 
as árvores enchem-se de folhas distantes, 
mas que não se sentem sós, e fogem do mar; 
as folhas enchem-se de letras estranhas, 
de várias cores, tamanhos e formas; 
as letras vão caindo, caladas, sobre o chão, 
formando pequenos grupos de manifestação; 
o chão procura ser o substrato potenciador 
de vida, o rumo certo, mas dorme, sob o céu… 
eu encho-me de céu, de mar, de árvores, de folhas, 
de letras, de chão, de céu… e de intervalos! 
no intervalo, escrevo poemas com o que resta 
e, por vezes, resto apenas eu! 




-inicialmente no paralelo [29 de maio de 2014]

domingo, 7 de setembro de 2014

argau 17





queria saber um pouco mais da noite. 
não há qualquer confusão, ao longe. 
a lua sorri sem medir o tempo e o espaço, 
o amor e o mar bocejam no banco 
e a areia adormeceu profundamente, 
quando os sentimentos começaram 
a falar. mas nem sempre é assim. 
creio que estarão cansados da mesma 
história atracada aos muros que ergui 
ao meu redor, enquanto as horas vivem 
os mistérios do pôr-do-sol, ao sabor 
dos ventos frescos da noite, de quem 
eu queria saber um pouco mais. algumas 
árvores respiram o último ar, antes de 
se despirem, na sede do outono; antes 
de poderem explicar o efémero e o fictício. 
e as estrelas dobram-se, para distribuir 
felicidade e afectos, como se a noite fosse 
um abraço. não há qualquer confusão, 
por aqui, onde o sono de setembro não caiu. 




sábado, 6 de setembro de 2014

a figura de uma ilusão






gosto da parte invisível do amor. 
gosto de ficar a olhar para tuas cores 
e nelas urdir histórias em alvoroço, 
contudo, protectoras e carinhosas; 
de inspirar profundamente o teu odor 
e inebriar os sentidos embaraçados, 
que nem procuram fazer sentido; 
de tactear leve e lentamente as formas 
e de mapeá-las mentalmente, sem prazo. 
como é anedótico o meu sonho de sonho 
construído, porque não te tenho e nada é 
para sempre! 




-inicialmente no paralelo [22 de maio de 2014]

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

de forma que é assim





há uma forma sem sombra 
que vejo em sonhos e trago em mim. 
uma forma repleta de recordações, 
contudo, coisas que eu nunca vi. 
fala de projectos em sonhos 
que nunca se vão concretizar. 
um parecer distinto e audaz; 
uma linha sem horizonte; 
momentos engalanados… 
a forma de amar. 




-inicialmente no paralelo [14 de maio de 2014]

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

argau 16





por vezes o poema não acaba e eu 
queria dizer apenas coisas simples 
mais simples do que a minha sombra 
mais simples do que as mãos do vazio 

mas a simplicidade complica-se na dor 
que fica na fronteira dos nossos mundos 
uma dor sem contusão entre a realidade 
e a ilusão que desce entre os intervalos 

da palavras que formam silêncios preciosos 
que formam as próprias estrelas das noites 
mais tristes e ocas que recordam as memórias 

da luz de uma qualquer tarde compreensível 
evidenciando que eu estou mesmo louco 
quando queria escrever apenas que te amo 




quarta-feira, 3 de setembro de 2014

se olharmos com atenção




é assim o sorriso de certas palavras: consistente. 
um sorriso firme, tão genuíno e contagiante, 
que percorre a noite como um foco de luz; 
que demora na retina e se propaga docemente 
a todos os sentidos, capaz de apaziguar o pesar 
dos dias que escarnecem a existência circundante. 
sorriso com perfumes, com melodias, com sabores, 
com tonalidades, com temperaturas, com formas; 
que abraça segura, lânguida e despudoradamente, 
num arrebatamento manifesto e próximo do infinito.




-inicialmente no paralelo [06 de maio de 2014]

terça-feira, 2 de setembro de 2014

nos dias inabaláveis





acordámos o cerco à fronteira daquele medo
que adormece quase todas as manhãs,
próximo da avenida pejada de gente,
e que desperta quase todas as noites,
naquelas ruas estreitas, tortas e escuras,
que rondam o quarto, como fases cheias,
carregadas de lua sem desculpas ou corpo.
adiámos a tristeza, ainda que seja num hiato,
num deferimento completo da vida,
para quem uma vida inteira é insuficiente.




-inicialmente no paralelo [30 de abril de 2014]

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

argau 15




outras vezes, o tempo voa, num hiato 
de si mesmo. escoa-se por entre os dedos 
de sonhos e sentimentos entrelaçados 
em ondas e ventos, para aquecer o outro 
lado da lua e regressar em sobressalto, 
de improviso, sem palavras e ambíguo. 
qualquer coisa sem colo e consumido, 
enquanto eu vejo sem ver e sonho sem 
sonhar, o que vejo a adensar-se no mar. 
eu hei-de voltar, quando escorregar do verso, 
quando a vida não cabe num só poema. 




sexta-feira, 29 de agosto de 2014

mais coisa, menos coisa




há tempo para umas palavras 
que se evadiram da poesia 
e que se perderam pela tarde, 
repartindo silêncios pelos olhos, 
lugares imensos que se expõem 
nas minhas mãos repletas de longe. 
longe nem sempre é a distância, 
pode ser a circunstância de escrever 
espaços no céu e na água do mar, 
o mesmo mar de corpo empanturrado 
de gritos de poemas contundentes 
e de caminhos em construção. 



-inicialmente no paralelo [25 de abril de 2014]