sexta-feira, 21 de junho de 2013

na pequena cidade




num princípio unívoco de democracia
diferenças que noite não cuida e não atenua
a chuva retira das ruas a tristeza e a alegria
a cidade corre para o betão e para o asfalto
não sabe com quantos erros se constrói um sonho
e desconhece o efeito do sobressalto
para gáudio de quem a expõe como heresias
sem existir cai lentamente
encheu-se de palavras e de fantasias
escorre apressadamente para os canais
da ria imóvel e condicionada
que encerra as minhas alegorias emocionais



sexta-feira, 14 de junho de 2013

Sonho




Há um sonho, que contém um querer simples.
Um querer desperto que afaga o subconsciente,
Onde todo é emotivo e novo,
Para o qual todas as frases parecem ter sido inventadas
E se repetem sem exaustão, vezes sem conta.
O eco, do sonho, que se propaga
Em palavras com sentimentos à flor da pele
E que ressoam no pensamento focado em emoções,
Onde se perdem, ou não se encontram, razões.
Que chega com o sabor e o odor dos sentidos,
Desenha círculos infinitos na pele sensível,
Roça as letras pelo corpo trémulo e soberano,
E fermenta a determinação de redenção.
  
  

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Pelas palavras com fé





Vou junto ao canal, que aparenta estar adormecido,
Numa madrugada eterna e só, dormente,
Como só parece a ria, dentro deste caminho.
Esta é a minha melhor desculpa para caminhar só,
Entre o cheiro a pão quente, que se propaga,
Nesse início de caminho que me há-de levar... Não sei onde.

E como uma sombra do campo, transparente,
Coração que marca o tempo, deste tempo louco,
Que me define nessa entrada em contratempo,
De um compasso que me descompassa,
Permitam-me repousar aqui,
Sem saber como.

A luz mostra o fim da metamorfose de sombra da cidade;
A extensão imprecisa de uma linha que distribui oportunidade;
O trilho húmido do rocio que acaricia a vegetação.
Desaparecem, lentamente, os sinais de restos de um festejo
Popular, e reavivo um festejo, em mim, denso, constante,
Gravado, sem a importância do «quando», ou «até quando».

Aqui existiu uma muralha compacta e larga,
E um forte, que nos protegiam dos saques dos afectos
E das investidas dos seus espectros.
As cicatrizes da minha pele podem prová-lo.
Hoje existe natureza, moldada por mãos artífices,
Nem as dores da juventude, nem o Dassiano, sabem porquê.


quarta-feira, 12 de junho de 2013

O namoro da ria com o oceano




Escrevo, no ar, que te amo
E isso me faz sorrir.
Queria que sentisses o teu abraço preenchido,
Mas esse «eu» não existe.

Admito que te conheço há uma eternidade.
Não me recordo de onde, de quando, ou de como,
Mas eu existo,
E vogo no tempo e no espaço, sem meio.

Escrevo, num pedaço de papel, que te amo
E as memórias do que, de qualquer forma, tive,
Sem ter. Alegrias de um presente, num presente,
Que, sendo presente, não pode deixar de partir.
E fica, entre nós. Amor!

E há um perfeito suspiro, sem hesitação, que te procura;
E há um inteiro beijo, sem beijar, que te beija;
E há um completo abraço, sem abraçar, que te abraça.


  

Estrutura



A ria perdeu o espelho
E a cidade brilha, lavada pela chuva,
À margem de um decreto que impõe, apenas,
A primavera, que se esconde,
Ou tarda a chegar.

Eu, que não posso soltar um grito,
Enquanto conto e estou e não estou,
Sinto-me parte do meio,
Uma ilha flutuante, ancorada.
Tudo é tão profundamente simples,
Lá fora;
Tudo é tão simplesmente intrincado,
Por dentro.

O confronto de razões e sentimentos
Em equações de espaço, tempo e distância.
Os apelos rejeitam a oscilação,
Na procura de uma cura;
Os recursos declinam, pela inércia,
Na busca de um conforto.

Há máximas impraticáveis ou incompatíveis.
Quem vive com um Sol e uma Lua, dentro,
Vive o dia por inteiro, e mais o emprestado,
Na ânsia de multiplicar o tempo,
Quando o tempo é apenas o tempo que se dispõe.


segunda-feira, 10 de junho de 2013

Constante lógica


aurorar


Não vi o Sol, quando acordei 
E, mesmo assim, sorri.
Procurei-o pelas ruas, sozinho, à tarde.
Alguém apagava um coração grafitado na parede,
Com uma mancha de tinta.
Li, que te amo. Sorri.
Vi a cidade quase deserta,
As pessoas migraram para os centros comerciais.
Só os turistas se cruzavam comigo
E eu senti-me um turista na minha cidade.
Mas não encontrei o Sol
E não sabe que eu sonho,
E sonho acordado. 
A ria não quer ser laguna
E não tem ciúmes de ti.
Que te amo lhe digo, e não sabes. 
Não podes saber e desejo.
Sorrio, na companhia de sombras,
De ti e de mim. 
No amor não há perder ou ganhar,
Por vezes, é ter ou não ter.
Não vi a Lua, quando a noite chegou
E senti que sorri sem premeditação;
Que te sinto sem sentir;
Que te toco sem tocar.
Senti que queimava e foi então que reparei
Que dentro de mim está o Sol e a Lua
E que, na realidade, a Lua e o Sol, és tu.



sábado, 8 de junho de 2013

[Em pouco tempo, ou não…] X – Formas

     
     «Insónia, 8 de Junho intemporal.
     
     
     Eu não sei de que forma existo. Não durmo.
     
     Estou a ver-te a sair, depois da despedida. Sei que é uma miragem, mas vais andando, afastando-te cada vez mais, num túnel sem forma definida, mas com a promessa de retorno, impregnada na neblina dos teus passos. Sais mais arrastada do que o próprio gerúndio. Tolero, agora, o gerúndio, talvez, porque o associo, ainda, aos gestos lânguidos de uma carícia arrastada.
     
     Sinto um aperto no peito e a certeza do nosso amor. Esse sentimento vai detendo uma lágrima, que teima em sair. Mas, logo se lhe juntam outras e acabam por escorrer pela face, com a mesma urgência de um suspiro, num misto de dor e alegria.
     
     Preciso de ti. Por momentos, preciso de ti como do ar para respirar. Mais, até, do que do ar. Sinto que sufoco. Dirão que é uma meninice, talvez, mas não deixo de o sentir. E o que é uma meninice, comparada com a gravidade desta minha premência, mais urgente do que a queda das lágrimas? Quanto pesa a meninice num espantalho? Mas logo sorrio. O amor que sinto vai vencendo o princípio de tristeza. Devagar, com retrocessos, mas progredindo, também eu num túnel, mas num túnel sem tempo definido e que se vai indefinindo. Aborrece-me o gerúndio, agora, e dói-me o gerúndio, também.
     
     Felizmente é noite velha, não há assistência neste palco.
     
     Mordo os lábios à vez. O de cima e o de baixo. Por vezes, cerro os dentes, na tentativa de ajudar a instalar a resignação.
   
     Abraço-me. Sorrio, por fim, de novo. Não é o fim. Dou lugar à força dos afectos, libertos dos fantasmas e embebidos na minha essência.
     
     Preciso de ti, de facto. Procurar-nos-emos por todo o universo; de dimensão em dimensão; numa qualquer forma; de qualquer forma. Daremos voltas ao mundo, até nos encontrámos, para sermos um, não sei de que forma. E, reconhecendo-nos, sem conhecermos a nossas formas, constataremos que, afinal estávamos tão próximos, aqui mesmo, na esquina da vida.»
     
     
     

sexta-feira, 7 de junho de 2013

porque, agora, vais comigo para todo o lado


aurorar

o cansaço possui um corpo estreito
e o corpo um encantador cansaço
com o mar eu falo a peito
que ele beijar te possa sem embaraço
da adoração a adorada e afinidade
amo-te num sonho dilema
do meu abraço o abraço
a verdade ficcionada em verdade
és do meu poema o poema



na impossibilidade de ser de outro jeito



um cuidado é um jeito
assim como um modo é um jeito
uma disposição, a lesão, a habilidade, são jeito
o movimento, aptidão, são, também, um jeito
a volta, o arranjo, o gesto, a forma… é jeito

eu me ajeito
bem a jeito
para o teu jeito
em jeito 
sem ser jeito

sem jeito
que não é jeito
mas do meu jeito
de estar a jeito
de ser a jeito
quero ter jeito
ser jeito
ao teu jeito
e dar jeito

para além da minha falta de jeito
quero tocar-te a jeito
tocar o teu jeito
trocar o jeito
com jeito
sem fazer jeito
dou um jeito
ao jeito de quem tem jeito

sem descobrir o jeito
procuro o teu jeito
anseio o teu jeito
mas vou dar um jeito
a este meu jeito
e à ausência de jeito

brinco com o jeito
brinco com jeito
quero gozar a jeito
sem gozar o jeito
gozar, sem defeito, do seu jeito
não é a satirização do jeito
é o gozo do nosso jeito

com tanto jeito
não quero perder o jeito
com todo o jeito
me despeço sem jeito
sabes que é para ti o jeito
reconheces em ti o jeito
o gozo do jeito
e que todo o meu jeito
de qualquer jeito
será, agora, o meu único jeito
de ser sempre teu jeito
  

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Por mim


Vagueira, praia

Vem do sonho da poesia,
O homem já crescido.
Consigo trás a criança, que é,
O caminho e a fantasia
De desejar ser amado e ouvido,
Muito além da distância e da fé.

Trás o toque de pele e a ponte,
Um arco-íris colossal inventado;
O aroma de um corpo e o trilho,
Apenas um presente e uma fonte;
A carência e o beijo arrebatado,
Um abraço vazio e um trocadilho.